Os quatro dias da II Jornada de Agroecologia da Bahia se constituíram como um importante passo na constante luta por território e pela saúde da terra e dos povos da Cabruca e da Mata Atlântica. A diversidade de grupos, movimentos sociais, idades, tradições e raças fez do evento um espaço vivo de troca de saberes e articulações que ultrapassam o Assentamento Terra Vista (MST), em Arataca, local que recebeu a Jornada entre os dias 12 e 15 de dezembro.
Foi visível a forte presença da juventude e das mulheres, que mobilizaram discussões e atividades em todos os espaços, pautando temas que servirão para novos debates em suas comunidades. As oficinas, salas de diálogo e plenárias foram a base para a discussão política. Mas até mesmo as apresentações culturais e as conversas durante as refeições culminaram em aprendizados e novos elos para a Teia Agroecológica dos Povos da Cabruca e da Atlântica, rede responsável pela organização do evento.
Como documento final, foi escrita, de forma coletiva, a Carta da II Jornada de Agroecologia da Bahia, que sintetiza as reivindicações daqueles que acreditam na agroecologia como instrumento de soberania e autonomia do povo. Além da carta, foram sistematizadas relatórias que vão encaminhar demandas para atividades da Teia durante 2014 e para a III Jornada.
“A Teia me trouxe o entender mais no caminho, já senti vontade de desistir. Mas agora, a Jornada me deu a clareza e a amplitude de como continuar e aprender com as diferenças e os saberes de cada um “, lembrou emocionada Mayne Santos, da Teia. Antes da leitura da Carta durante a última plenária da Jornada, Say Adinkra (Teia/Rede Mocambos), lembrou a importância da organização do movimento: “A gente tem que aprender mais do que atacar. A Teia é algo ousado e precisamos de disciplina. O que está em jogo agora é a forma como vamos organizar as coisas”.
Durante a Jornada, atividades não programadas surgiram e deram mais sentido ao encontro. O plantio de baobá e a troca de sementes foram alguns desses momentos, onde pessoas de várias cidades e estados puderam levar para suas comunidades sementes crioulas que vão germinar não só plantas, mas também os ideais agroecológicos. No fim da Jornada, Cacique Nailton (Pataxó Hã-hã-hãe) reafirmou a continuidade da Jornada, em especial pela juventude: “Isso aqui é uma escola de lideranças. Tem horas que a luta é pesada, mas não podemos esmorecer”.
Uma das moradoras do assentamento Terra Vista, Solange Santos, sintetizou o que foi a II Jornada, “vocês estão vendo esse assentamento assim bonito, é preciso lembrar que nada aqui foi feito sozinho, por um ou por dois. Esse assentamento é fruto da luta do MST, uma luta coletiva. Porém nós percebemos que sozinhos não vamos conseguir chegar a onde queremos. Por isso convidamos a todo mundo. Nossa luta é longa, por isso esse evento se chama Jornada, ela tem continuidade, a Jornada é só uma parte do começo.”
Carta da II Jornada de Agroecologia da Bahia
Os povos do campo e da cidade, reunidos na II Jornada de Agroecologia da Bahia, no Assentamento Terra Vista, em Arataca, Território Litoral Sul, entre os dias 12 e 15 de dezembro de 2013, uniram povos e saberes para a defesa irrestrita da agroecologia enquanto um modo de vida e um instrumento para conquistar a soberania de nossos territórios.
Lamentamos o não reconhecimento e apoio digno do Estado Brasileiro para com a agroecologia e com a luta de nossos povos, cuja vida perpassa permanente criminalização, risco e extermínio. O Estado Brasileiro, sustenta uma estrutura baseada na exclusão social, quando este financia e apoia o êxodo rural, fomentando pobreza e violência para servir aos interesses do capital, o que distorce seu papel de proteção e garantia de dignidade de seus povos.
O sistema de produção do campo imposto pelo capitalismo, o agronegócio, nos violenta a cada dia e não para, ele acumula um histórico de extermínio cultural e territorial, se apropriando de nossos saberes, de nossa ciência e de nossa cultura para fins de dominação, seja transformando tudo em produtos para a indústria e o mercado, seja ridicularizando e espetacularizando a nossa diversidade.
A II Jornada é resultante da consolidação da Teia de Agroecologia dos Povos da Cabruca e da Mata Atlântica, formada na I Jornada em 2012, para atuar de forma permanente enquanto uma rede que reconstrói a solidariedade entre os povos negros, indígenas, assentados, juventude e crianças e dá um sentido mais amplo à agroecologia, tão distorcida pelo excesso de academicismo, teoricismos e tão pouca prática. Nós, da Teia, rompemos o tecnicismo perigoso para defender uma agroecologia que une os povos e saberes para garantir saúde para nossos alimentos, solos e águas, saúde para as nossa relações sociais, para nossa identidade cultural, espiritualidade e ancestralidade.
Estamos construindo uma forma de organização entre os povos que busca autonomia política e financeira, através das ações de fortalecimento das experiencias agroecológicas em cada território que compõe a Teia, na busca de autogestão e do autofinanciamento. Estamos trabalhando para atuar adequadamente levando em consideração as especificidades de nossas crianças, jovens, homens, mulheres e idosos. Mas não teremos como conquistar essa saúde e autonomia, que representa na verdade novas formas de vida, política e militância, sem garantir nossos territórios e a vida de nosso povo e nossas lideranças.
A agroecologia então, é também uma forma de enfrentamento desse sistema e a Teia se propõe a ter ações solidárias diretas de defesa de nossos povos. Assim, nossa luta segue o caminho irrestrito de defesa da garantia da terra e por uma soberania dos povos que sabemos que só pode ser feita a partir de nosso suor.
Nossa Jornada e nossa Teia renova nossas utopias e nosso poder de seguir: “Nada do povo, para o povo, acima do povo, sem o povo!”
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